logo-PhotoRoom (2).png

Artigos

 

 

Nova Lei sobre a Cidadania Italiana

O Decreto-Lei poderá ser invalidado pelo Poder Judiciário

 

 

O Conselho de Ministros da Itália aprovou o assim chamado "pacote cidadania", Decreto-Legge 28 marzo 2025, n. 36, que tem por objetivo reformar a legislação vigente sobre a cidadania italiana.


A notícia sobre a nova lei suscita algumas perguntas sensíveis, tais como:


1.    Quem já reconheceu a cidadania será prejudicado?


2.    Processos em andamento serão afetados?


3.    Para quem ainda não reconheceu, é o fim da linha? Não há mais nada que possa ser feito?


Neste artigo, responderei a esses questionamentos com base na análise jurídica desenvolvida pelo nosso corpo de advogados.


Até então, a cidadania italiana não tinha limite de gerações, o que permitia o reconhecimento do direito em favor de bisnetos, trinetos e demais descendentes. Com o novo regramento, para obter o reconhecimento da cidadania, o descendente nascido no exterior precisará comprovar que é filho ou neto de italiano. E mais: esse ascendente deverá, necessariamente, ter nascido em território italiano.

 

Segue abaixo a tradução do novo artigo 3-Bis, naquilo que nos interessa: 


[...] é considerado como nunca tendo adquirido a cidadania italiana aquele que nasceu no exterior, mesmo antes da data de entrada em vigor do presente artigo e que possui outra cidadania, salvo se estiver presente uma das seguintes condições:

a) o status de cidadão do interessado foi reconhecido, em conformidade com a legislação aplicável em 27 de março de 2025, mediante requerimento, acompanhado da documentação necessária, apresentado ao consulado ou ao prefeito competentes até às 23h59, horário de Roma, da referida data;
b) o status de cidadão do interessado foi reconhecido judicialmente, em conformidade com a legislação aplicável em 27 de março de 2025, mediante ação judicial proposta até às 23h59, horário de Roma, da referida data;
c) um dos pais ou adotantes cidadãos nasceu na Itália;
d) um dos pais ou adotantes cidadãos residiu na Itália por pelo menos dois anos consecutivos antes da data de nascimento ou adoção do filho;
e) um ascendente cidadão de primeiro grau dos pais ou dos adotantes cidadãos nasceu na Itália.

 

Significa que só pode solicitar o reconhecimento da cidadania italiana quem tem um dos pais ou avós nascido na Itália, ou se um dos genitores, mesmo nascido fora da Itália, tiver morado no país por pelo menos dois anos seguidos antes do nascimento ou adoção do filho.


A grande questão é que, mesmo antes da aprovação deste Decreto-Lei, já havia consenso entre os juristas quanto à impossibilidade jurídica de se restringir o direito ao reconhecimento da cidadania.


A cidadania italiana jure sanguinis é uma modalidade de nacionalidade nata, ou seja, a pessoa a adquire desde o nascimento. O processo de reconhecimento serve apenas para comprovar o preenchimento dos requisitos, já que existe um hiato documental entre o antepassado italiano e o descendente. É simples: quando o italiano chegou ao Brasil e se casou, esse casamento não foi comunicado ao registro civil italiano, mas apenas ao equivalente brasileiro. O mesmo ocorreu em relação ao nascimento de seu filho e aos demais atos subsequentes. Do ponto de vista do registro civil, a Itália só tem conhecimento acerca do nascimento do italiano. É por isso que hoje há a necessidade de um processo para o reconhecimento da cidadania: trata-se de mera atualização dos dados no registro civil. Mas a cidadania já existe e já foi adquirida pelo beneficiário antes mesmo do processo, pois a transmissão ocorreu no momento do nascimento.


Note-se o verbo empregado: só é possível reconhecer algo que já existe. É diferente de adquirir, que implica um ato originário.


Nesse sentido, em 2022, ao julgar a celeuma envolvendo a Grande Naturalização (R.G. 28397/2021), a Suprema Corte de Cassação Italiana (equivalente ao Superior Tribunal de Justiça no Brasil) estabeleceu um precedente importante ao afirmar que "lo status di cittadino, una volta acquisito, ha natura permanente ed è imprescrittibile". Em bom português: o status de cidadão italiano, uma vez adquirido, tem natureza permanente e é imprescritível.


A partir disso, precisamos definir: quando esse status é adquirido? Já vimos: ele é adquirido a partir do nascimento — e não com o processo de reconhecimento. Este processo apenas está reconhecendo algo que já existe.


Quando a Suprema Corte afirma que esse direito é permanente e imprescritível, está determinando que, mesmo que o descendente não venha a exercê-lo, ele não se perde. Com base nessa determinação, podemos concluir com razoável segurança que, do ponto de vista jurídico, não há diferença entre quem já reconheceu a cidadania e quem ainda não a reconheceu.

 

Se, por um lado, o pacote cidadania assegura que aqueles que já reconheceram não perderão a cidadania — por se tratar de direito adquirido — o mesmo deve valer para aqueles que ainda não iniciaram o processo, pois se trata de um direito permanente e imprescritível (segundo a mais alta corte jurisdicional italiana).


Ao contrário do que muitos estão divulgando na internet, a nova legislação não faz qualquer ressalva em favor daqueles que já iniciaram o processo, de modo que esses também podem ser prejudicados. Embora quem já tenha ação judicial em andamento possa levantar questionamentos com o objetivo de invalidar a aplicação da nova norma — como demonstraremos a seguir — melhor sorte não acompanha aqueles que buscam concretizar o direito pela via administrativa.

 

Outra questão polêmica envolve os milhares de descendentes que ainda não ingressaram com o pedido de reconhecimento da cidadania italiana e possuem um antepassado além da terceira geração. A nova lei nega a eles o direito ao reconhecimento. Essa é a realidade posta. Trata-se de uma decisão política, porém, ainda existe uma verdade jurídica. E, em democracias como a da Itália, a verdade jurídica tende a se sobrepor à vontade política. Do ponto de vista jurídico, não há fundamento para tratar de forma desigual quem ainda não reconheceu a cidadania, já que, repita-se à exaustão, ela foi adquirida desde o nascimento. Tal tratamento desigual viola a norma fundamental prevista no artigo 3º da Constituição da República Italiana.

 

Afora isto, esta norma fere de morte o princípio jurídico da irretroatividade da lei, conquanto busca regular de forma diversa questões anteriores a sua vigência. 


Ademais, ainda no plano constitucional, merece relevo o disposto no artigo 10 da mesma Carta Magna, que assevera que o ordenamento jurídico deve se adequar ao Direito Internacional. Nesse espeque, é necessário lembrar ao Conselho de Ministros da Itália que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 15, proclama: "Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade." Trata-se de um direito fundamental que ocupa posição axiologicamente superior no mundo civilizado.


Aliás, esse também é um princípio consagrado no artigo 4º da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade.


Enfim, embora existam outros aspectos jurídicos igualmente relevantes, como a inexistência da suposta urgência anunciada para fundamentar e validar o Decreto-Lei, o propósito deste artigo não é inundar o leitor com juridiquês. Mas é importante apresentar esse contexto, pois os descendentes que ainda não iniciaram o seu processo, ou seguiram pela via administrativa, a partir de agora terão duas escolhas:


1.    Desistir da cidadania italiana;
2.    Questionar a validade desta lei no âmbito judicial.


Assim como tem ocorrido nos Estados Unidos, onde algumas das medidas mais polêmicas de Trump vêm sendo barradas pela Justiça, acreditamos firmemente que o mesmo ocorrerá aqui. Essa nova lei não sobreviverá a uma sabatina no Poder Judiciário. Da mesma forma que a restrição imposta pela administração pública italiana aos descendentes de linhagem feminina pré-1948 (e que ainda hoje persiste) foi superada pela Suprema Corte, também agora o Judiciário será a salvaguarda do sonho de tantos descendentes que pretendem obter essa reconexão com a Itália.
 

É preciso acompanhar a evolução do tema no que diz respeito aos filhos menores de descendentes cuja cidadania já foi reconhecida. Isso porque o “pacote cidadania” não faz qualquer ressalva expressa em relação a eles. No entanto, o entendimento prevalente é de que, nesses casos, o reconhecimento é automático, uma vez que os pais já são reconhecidos como cidadãos italianos, sendo necessária apenas a transcrição do nascimento para fins de comprovação do direito.

 

A partir da experiência do Dr. Ricardo Bergossi, advogado inscrito na Europa e no Brasil, ex-presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB da capital de São Paulo (subseção Santana), membro da Comissão de Relações Internacionais da Seccional São Paulo da OAB, Diretor Jurídico do Circolo Italiano San Giuseppe, especialista em Direito Internacional e Direitos Humanos pela PUC, o nosso escritório é referência, no âmbito do Estado de São Paulo, em soluções para a cidadania italiana, tais como: localização de documentos (pesquisa genealógica); análise e retificação; confecção de certidão tardia, assim como nas medidas administrativas e judiciais para o seu reconhecimento.

 

 

CLIQUE AQUI para tirar dúvidas ou agendar uma consulta. 

 

 

 

 

PABX: (012) 3600-8141

Brasil - Itália - São Paulo - São José dos Campos - Turim (Torino) - Roma 

Redes Sociais

Consulta com atendimento presencial, por teleconferência ou por telefone. Atendemos todo o Estado de São Paulo.

 

Perguntas por e-mail serão respondidas dentro do prazo de 48 horas, em dias úteis.

 

Preencha os dados abaixo para enviar uma dúvida, agendar uma consulta ou para outros assuntos:

 

Mais artigos
 
Linha Paterna - Via Judicial

 

 
Linha Materna

 

 
Cidadania Italiana em razão do Casamento

 

 
Nova Lei de Imigração (2020)

 

 
Espaço Schengen

 

 
Dupla Nacionalidade

 

 
Mercosul - Viajar sem passaporte